Entrevista: Charlie Starr, do Blackberry Smoke, fala sobre produção de ‘You Hear Georgia’ durante pandemia
Foto: Divulgação
O Blackberry Smoke divulgou no mês passado seu mais novo álbum, intitulado You Hear Georgia, via Thirty Tigers. O trabalho com 10 faixas conta com as participações de Warren Haynes (The Allman Brothers Band, Gov’t Mule) e de Jamey Johnson.
Para promover o lançamento, o vocalista Charlie Starr conversou conosco com exclusividade sobre o disco inédito, revelando curiosidades da produção que homenageia o rico legado musical do estado norte-americano de Georgia, além de se posicionar sobre a sempre polêmica questão referente a bandeira dos Estados Confederados.
Charlie ainda nos contou como foi a experiência de se apresentar em shows nos formatos drive-in e livestreams durante a pandemia, e comentou sobre a turnê que o Blackberry Smoke realizou no Brasil em 2019. Confira a seguir a entrevista completa.
Ligado à Música: Charlie, antes de tudo muito obrigado pela oportunidade. É uma honra poder falar com um dos maiores vocalistas, compositores e músicos do southern rock.
Charlie Starr: Muito obrigado! Eu é que agradeço a você por me receber.
Ligado à Música: Vamos lá. Como tem sido a sua vida nos últimos meses? Qual é o seu nível de loucura nessa pandemia? (risos).
Charlie Starr: Bem, tem sido ok. Eu tenho passado muito mais tempo em casa do que eu normalmente passo e isso tem sido ótimo. Financeiramente tem sido perturbador (risos). Nós fizemos o que podíamos para passar por tudo isso. Fizemos algumas livestreams e tocamos alguns shows com distanciamento social. Agora estamos fazendo shows normalmente em alguns diferentes locais dos Estados Unidos. Tudo está caminhando bem.
Ligado à Música: Que ótimo! Os Estados Unidos estão bem mais avançados do que o Brasil nesse atual momento da pandemia. Enfim, vocês acabaram de lançar o seu sétimo álbum de estúdio “You Hear Georgia”. Como foi compor durante o isolamento?
Charlie Starr: Foi ótimo! Foi realmente algo que ajudou a descansar a mente de tudo o que estava acontecendo. Aposto que o mesmo pode ser dito por parte de muitos outros compositores.
Ligado à Música: Sobre o álbum e a sua mensagem em si. O primeiro verso da faixa autointitulada diz: “você ouve Georgia quando eu abro a minha boca”. O que isso significa? Qual é o lance com “ouvir Georgia”?
Charlie Starr: Bom, eu estava assistindo televisão em uma manhã enquanto tomava o meu café e tinha um cavalheiro no noticiário com um forte sotaque sulista. Ele me fez rir e eu pensei “será que as pessoas escutam o que ele fala ou da forma como ele fala?”. E veio daí.
Ligado à Música: Creio que o álbum tenha uma forte mensagem sobre o estado de Georgia e todo o estigma criado em cima da população sulista. Sendo assim, vou aproveitar o assunto. Qual é a sua opinião sobre o uso da bandeira dos Estados Confederados? Esse tem sido um assunto bem polêmico nos últimos anos.
Charlie Starr: Sim, tem sido um assunto bem controverso por aqui nos últimos anos. As coisas hoje são muito diferentes do que eram quando eu era um garoto ou até mesmo há vinte anos. A bandeira significava algo diferente para as pessoas do que significa hoje. Claro, essa é somente a minha opinião. Eu me lembro de quando eu era criança e o programa mais popular na televisão era o “The Dukes of Hazzard” (Os 3 Duques) e eles andavam com uma enorme bandeira dos confederados no teto do carro, sabe? Todos amavam e amam esse programa. Pessoas brancas, negras, asiáticas… entende? Não era algo que teríamos nos noticiários como uma bandeira de ódio. Atualmente ela é vista como algo que fere as pessoas e você está certo, é um assunto muito controverso nos dias de hoje. E além de tudo existem também aqueles que se sentem ofendidos por alguém tentando remover as bandeiras, o que eu acho um pouco ridículo. Parece que o propósito deles é o de ferir pessoas com isso, sabe? Eu acho isso muito errado.
Ligado à Música: Exatamente.
Charlie Starr: Sei lá… nos últimos anos eu dei um passo para trás e pensei sobre tudo isso. Quando eu era garoto, nós viajávamos com a escola para a região de Stone Mountain, em Atlanta, que tinha, aliás, ainda tem, uma grande escultura confederada na ponta de uma montanha. Nós íamos para a loja de presentes da região e eles tinham chapéus do exército confederado, espadas, pequenas bandeiras e tudo mais sendo vendido por ali. Hoje eu olho para tudo isso e penso: “como as pessoas negras estão se sentindo com isso aqui? Será que isso não as machuca?”. É uma pergunta muito difícil. Falando sobre mim e sobre quando eu vejo a bandeira, eu tenho certeza de que ela não me fere, mas fere outras pessoas. E eu não estou aqui para machucar ninguém, eu não gosto dessa ideia. Sendo assim, nós não levantamos a bandeira.
Ligado à Música: Esse é um assunto bem polêmico. Existem bandas de esquerda que as levantam por exemplo e por outro lado existem as bandas que são vistas como o “orgulho sulista” que nunca as usaram, como é o caso do Allman Brothers. Existe uma divisão de opiniões bem grande quanto a isso.
Charlie Starr: Pois é. Nesse ponto eu não creio que o Lynyrd Skynyrd em algum momento tenha levantado a bandeira com a intenção de serem preconceituosos, não era essa a mensagem que eles queriam passar. Para eles o significado era outro. Na verdade, o próprio Gregg Allman já apareceu por aí com a bandeira em alguma camiseta ou algo. Assim como o Grateful Dead, os Rolling Stones…
Ligado à Música: Ou o próprio Tom Petty.
Charlie Starr: Exatamente. Eles não estavam levantando a bandeira do racismo, eles estavam levantando a bandeira “do sul”, entende? Da cultura sulista. Mas quando ela passou a significar e a remeter apenas a isso, eles deixaram de usá-las em seus shows. O Skynyrd não as usa mais por exemplo.
Ligado à Música: Sim, eles não as levantam mais. Voltando a falar do álbum, você possui alguma faixa favorita nele?
Charlie Starr: Ah, isso muda dia após dia. Eu gosto muito da “Live It Down”. Eu gosto muito da “Old Scarecrow”. Eu gosto muito da “All Rise Again”. Eu amo todas elas. Todas são os meus bebês.
Ligado à Música: Muito bom. Eu acho que fico entre “Live It Down”, que é uma ótima faixa de abertura, e a “All Over The Road”, com os seus pianos malucos no refrão. Acho que essa última passa uma vibe meio Aerosmith ft. The Rolling Stones. É uma ótima música.
Charlie Starr: Sim, eu amo essa.
Ligado à Música: Vocês autoproduziram os seus dois últimos álbuns antes do “You Hear Georgia”: o “Like an Arrow”, em 2016, e o “Find a Light”, em 2018. E agora vocês contaram com o Dave Cobb produzindo o disco. Por que vocês o escolheram e qual é a principal diferença entre produzir o próprio álbum e contar com alguém como ele dando o direcionamento das coisas?
Charlie Starr: Bom, nós o escolhemos porque ele faz álbuns incríveis. Ponto. Ter um produtor envolvido é poder contar com uma opinião diferente. Quando você é uma banda e todos são muito próximos, vocês pensam como um único cérebro, e as vezes trazer alguém em que você confie é de muito valor. Alguém que você respeita a opinião e o trabalho que ele faz. Algumas vezes é de muito valor e em outras pode ser contraproducente se você escolher a pessoa errada. Nesse caso, e em todos os casos de produtores com quem trabalhamos, eu gostei das experiências. Eu amo as ideias do Dave. Ele não tenta mudar nada do que a gente faz.
Ligado à Música: Ele tenta maximizá-los então.
Charlie Starr: Isso, ele trabalha do nosso lado. O trabalho dele é o de fazer a gente soar o melhor que a gente pode.
Ligado à Música: Ele parece ser um cara bacana e bem engraçado pelas sessões de estúdio que vocês postaram no canal oficial do Youtube.
Charlie Starr: Sim, ele é.
Ligado à Música: Agora falando um pouco sobre a pandemia. Vocês fizeram alguns shows no formato drive-in e eu gostaria de saber como foi essa experiência. Na verdade, acabei de me lembrar de uma coisa engraçada. Algumas semanas atrás eu estava ouvindo o podcast que você gravou com o pessoal do “Those Damn Crows” e você comentou sobre um show drive-in que vocês iriam fazer, se não me engano em Massachusetts, e um pouco antes do show você recebeu uma mensagem de texto do Marcus King, se lembra dessa história? (risos).
Charlie Starr: Sim, eu me lembro. Nós estávamos tocando alguns shows no formato drive-in. Fizemos alguns deles bem altos e barulhentos, como se fossem shows normais. E então nós fomos para esse em Massachusetts avisados de que não teríamos ponto de retorno e de que teríamos de fazer um show acústico. O que é legal de qualquer maneira, eu gosto de fazer shows acústicos com a banda completa. São bem divertidos. Aí eu perguntei o por que disso e eles me disseram que era porque os vizinhos que moram na região estavam reclamando e chamando a polícia devido ao barulho, e então eles reconfiguraram e tiraram os pontos de retorno. Muitos lugares estavam fazendo isso no início da pandemia, onde não haviam grandes produções além das caixas de sons e afins. Só que ali então os shows estavam sendo transmitidos por rádio frequência para as pessoas ouvirem de dentro do carro. Claro que pensei: “isso é uma merda”. E então mandei uma mensagem para o Marcus perguntando como havia sido a experiência dele ali algumas noites antes e ele me respondeu: “eu vou confessar, não foi nada sexy” (risos).
Ligado à Música: E a falta do calor do público deve fazer falta, não? Deve ser estranho. As pessoas ficam buzinando os seus carros quando vocês terminam uma música? (risos).
Charlie Starr: Eu acho que as pessoas são avisadas para não buzinarem os seus carros durante o show e isso é ótimo porque no final, antes do encore na verdade, todos eles buzinavam juntos e ficavam piscando as suas luzes. Essa parte era divertida.
Ligado à Música: Em relação a experiência com as livestreams. Vocês fizeram algumas, certo?
Charlie Starr: Sim, elas foram divertidas. Elas nos fazem focarmos uns nos outros quando não tem ninguém assistindo, quero dizer, você sabe que tem pessoas do outro lado das câmeras, mas elas nos fazem tocar uns para os outros. Eu achei bem divertido, todos nós estávamos o tempo todo sorrindo e gargalhando. Você termina uma música e não tem aplauso nenhum (risos). Acho que algumas vezes nós fizemos como os Beatles e terminamos uma música dizendo: “Muito obrigado e espero que tenhamos passado na audição!” (risos).
Ligado à Música: Que loucura (risos). E todas as lives que fizeram vocês se juntaram pra tocar? Ou vocês fizeram alguma com cada um de vocês em suas próprias casas?
Charlie Starr: Na verdade nós fizemos a primeira com cada um em nossas casas e depois tivemos que juntar tudo. Isso foi um pouco difícil, tocar juntos e de locais diferentes. Mas o resto delas nós fizemos juntos em locais fechados.
Ligado à Música: Legal. Eu me lembro que no começo da pandemia os Stones tentaram fazer uma live, com cada um em seu próprio local, mas ao vivo. Quero dizer, literalmente ao vivo. Então teve toda a coisa do delay da internet e tal (risos). Você chegou a ver?
Charlie Starr: Sim (risos). Aquilo foi ótimo (risos).
Ligado à Música: Foi tipo, o Mick Jagger já estava quase acabando a música e o Keith Richards ainda entrava no solo (risos). Mas eles são os Stones, eles podem fazer isso.
Charlie Starr: Sim, exatamente (risos). Eles podem escapar impunes dessa.
Ligado à Música: Charlie, vocês vieram pela primeira vez ao Brasil em 2019. Vocês fizeram Curitiba, São Paulo e Porto Alegre, e se não me engano os três com todos os ingressos esgotados. Vocês já imaginavam que teriam tantos fãs por aqui? Como foi a experiência no Brasil e na América do Sul em um geral?
Charlie Starr: Foi fantástico. Foi uma explosão absoluta e eu mal posso esperar para voltarmos. Respondendo a sua pergunta: eu imaginava, ou tinha uma ideia, que os shows funcionariam bem porque nós recebemos tantas mensagens de brasileiros nas redes sociais durante todos esses anos. Nós recebemos milhares delas por semana dizendo: “venham para o Brasil, venham para o Brasil” (risos). Então eu acho que nós tínhamos uma ideia de que seria legal. E foi. Foi até melhor do que imaginávamos.
Ligado à Música: Foram muito bons, eu viajei para assistir os shows e foram muito bons. Inclusive, tenho uma história. Eu conversei com você depois do show em Curitiba, comentei que estava viajando para assistir a banda e tal, e você me perguntou se tinha alguma música que eu queria escutar no show seguinte em São Paulo. E então eu respondi “Son of the Bourbon”. (risos).
Charlie Starr: É você? Não acredito (risos).
Ligado à Música: Sim (risos). E então você se lembra que não a tocaram e de que depois do show em São Paulo eu te encontrei e brinquei: “pô Charlie, você prometeu” (risos). Você se desculpou e me disse que agora eu teria que viajar para os Estados Unidos e te mandar uma mensagem, que aí sim vocês tocariam (risos).
Charlie Starr: Sim, sim. Eu esqueci, me desculpe (risos).
Ligado à Música: Sem problemas (risos). Os shows foram excelentes. Mal podemos esperar para vê-los por aqui o mais rápido possível. Bom, esse ano marca o vigésimo aniversário da banda, certo?
Charlie Starr: Isso, o vigésimo.
Ligado à Música: E o ano que vem marca também o aniversário de uma década do álbum “The Whippoorwill”, que, me corrija se eu estiver errado, é o álbum mais vendido da banda até hoje. Existe alguma possibilidade de uma turnê comemorativa, tocando ele na íntegra ou algo do tipo?
Charlie Starr: Sim, será o aniversário de dez anos. Eu acho que faremos sim. Nós fizemos isso em uma livestream, alguns meses atrás, em Atlanta. Nós nunca tínhamos feito, nós nunca tocamos um álbum na íntegra. Foi em uma livestream sem plateia e foi muito divertido. Sabe, nós costumamos fechar o nosso show com “Ain’t Much Left of Me” e no álbum ela está bem no meio (risos). Acho que é a quarta música ou algo do tipo. Aí nós tocamos e ficamos tipo… é isso, hora das cervejas e das pizzas (risos).
Ligado à Música: Acho que esse é o meu álbum favorito do Blackberry Smoke. Na verdade eu devo confessar que recentemente acabei tatuando ele no meu braço. Ele está bem aqui ao lado da caveira do Axl Rose (risos). É um álbum bem legal.
Charlie Starr: Que legal! Muito obrigado.
Ligado à Música: Aliás, uma pergunta: Por que um whippoorwill em si? Quero dizer, existem milhares de tipos de pássaros no sul dos Estados Unidos. Por que ele exatamente?
Charlie Starr: Bom, aquela canção é sobre a minha avó. Ela me ensinou muito quando ainda estava viva. Eu me lembro quando eu era um jovem garoto e ela estava me ensinando sobre o canto dos pássaros. Ela me falava: “esse é um whippoorwill”. E assoviava. “Esse é um mockingbird”, e assoviava. “Esse é um white-bird, esse é um corvo…”. Não sei, eu nomeei o álbum em homenagem a ela.
Ligado à Música: Voltando a falar sobre Georgia. O estado é muito conhecido por ser a casa de músicos lendários como os Allman Brothers, James Brown, Ray Charles e etc. E eu gostaria de saber, como é a cena musical em Georgia nos dias de hoje? Você tem algo para nos recomendar? Como andam as coisas por aí?
Charlie Starr: Bom, nós não ficamos tanto tempo aqui (risos). Com a exceção do ano passado, nós nunca estamos aqui para ver bandas e esse tipo de coisa. Quando temos tempo, ficamos com as nossas famílias em casa. Eu não sei, mas hoje em dia basicamente tocam R&B e hip-hop, não mais tanto rock como costumava ser. Mas isso vai e volta em diferentes gerações. Ontem mesmo eu estava conversando com um amigo que é um pouco mais velho do que eu e ele estava me contando de como foram os anos do início da década de 1980, com todas aquelas bandas post-punk e tal. The Brains, The B-52s, R.E.M., The Nightporters e todas essas bandas que começaram a se tornar populares porque os Sex Pistols vieram para Atlanta em 1978 e fizeram um único show. Ele disse: “eu aposto que 50 bandas foram formadas com pessoas assistindo aquele show”.
Ligado à Música: Isso é muito louco. Bom, o nosso tempo está acabando e agora vai uma pergunta mais pessoal. Quando você não está excursionando ou em estúdios, o que você gosta de fazer no seu tempo livre? Você ouve música, você lê ou o que? Eu sei que você tem um filho também. Como é ser o Charlie Starr fora da estrada?
Charlie Starr: Eu leio muito, eu sempre fui um leitor ávido. Eu gosto de ir em lojas de guitarras vintages, lojas de discos, de jogar boliche e ir ao cinema. Coisas diferentes do que costumava fazer, mas você sabe, estamos ficando velhos agora (risos).
Ligado à Música: E sobre a música? Você só escuta os clássicos ou tem coisas novas que você gosta de escutar?
Charlie Starr: Eu gosto de muita coisa. Claro que eu gosto de muita música antiga, mas tem coisas novas que eu gosto também. Eu gosto de Colter Wall, Jason Isbell e Chris Stapleton. Eu gosto dos The Wood Brothers. Eu gosto do Tyler Bryant and the Shakedown e do Larkin Poe. Eu gosto das coisas novas do Billy Gibbons.
Ligado à Música: Inclusive, ele lançou recentemente um ótimo álbum há alguns dias atrás.
Charlie Starr: Pois é, eu amei.
Ligado à Música: Charlie, o nosso tempo está acabando. Muito obrigado pela conversa. Foi uma honra ter conversado com você e nós esperamos poder assistí-los o mais rápido possível aqui no Brasil.
Charlie Starr: Muito obrigado.
Ligado à Músíca: Obrigado. Se cuide e nos vemos por aí!
Charlie Starr: Você também. Tchau, tchau!