Dado Villa-Lobos passa a limpo trajetória em livro sobre Legião Urbana
A sensação é a de que estamos em uma sala de estar, ou talvez em volta de uma churrasqueira, tomando cerveja e ouvindo histórias de velhos amigos. A conversa, ou melhor, a leitura, corre fácil e percorre pouco mais de três décadas na história do rock nacional. “Memórias de um Legionário”, escrito pelo eterno guitarrista da Legião Urbana, em parceria com os historiadores Felipe Demier e Rômulo Mattos, narra a trajetória pessoal e profissional do músico, que se confunde com a da banda brasiliense.
“Nunca tinha pensado em escrever um livro”, conta Dado que, nos últimos dois anos, vem se ocupando do projeto. “Foi um trabalho de garimpo mesmo. Foi durante as conversas com o Felipe e o Rômulo que resgatei histórias de que nem lembrava. Foi um trabalho difícil, mas muito rico. Queria compartilhar minhas lembranças com quem foi tão importante durante todo esse tempo”, refere-se aos fãs com carinho.
Foram dois anos de muita conversa e pesquisa. Dado admite não ter ideia de quantas horas de gravação foram transcritas. Para complementar sua memória, a dupla de historiadores mergulhou nos arquivos dos principais jornais e revistas que cobriram cerca de uma década, desde meados dos anos de 1980, até 1996, quando após a morte de Renato Russo, a Legião Urbana deu por encerradas suas atividades.
“Não fiz nenhum tipo de seleção quanto ao que queria ou não contar. Fui deixando a coisa fluir conforme vinham as lembranças”, explica Dado. Entre as histórias distribuídas em mais de 200 páginas, muitas já são conhecidas do público, mas agora aparecem contadas do ponto de vista de quem as viveu também. É este o caso, por exemplo, do trecho que narra o início do Aborto Elétrico, primeira banda de Renato Russo, nos primórdios da década de 1980, e dos primeiros shows da Legião, ainda em Brasília.
A chegada ao Rio, as gravações dos discos, os shows mais importantes, as polêmicas e a doença do vocalista estão colocadas de forma cronológica. Dado teve ainda a preocupação em contextualizar os acontecimentos de acordo com o que ocorria no país e também na indústria fonográfica. O final do regime militar, os estudantes nas ruas e a decepção com o governo de Fernando Collor, tem seu lugar de destaque nas composições da banda e na vida de seus integrantes.
Muito de tudo isso já foi contato em biografias de Renato Russo, como “O Trovador Solitário”, do jornalista Arthur Dapieve, documentários como “Rock Brasília – Era de Ouro” e no filme “Somos tão jovens”, lançado ano passado. Estas obras são, inclusive, citadas por Dado em vários momentos do livro, assim como trechos de entrevistas concedidas pela banda e por Renato, além de críticas de todos os álbuns da Legião Urbana.
“Acredito que o livro tem um pouco a função de me fazer poder virar uma página”, diz o guitarrista. Mas quando fala em “virar a página”, Dado não quer deixar para trás sua história com a Legião Urbana. “Nem poderia. Só acho que agora, contei a minha versão e com isso, não vou mais precisar ficar repetindo as mesmas coisas, respondendo as mesmas perguntas”.
Além das histórias e “causos”, os fãs vão gostar de ler sobre detalhes da gravação de cada disco e sobre o método de composição do letrista e do grupo. Uma curiosidade, por exemplo, é o fato de que antes de gravar o “Dois”, lançado em 1986, Renato Russo distribuiu aos colegas de banda, produtores e o restante da gravadora, uma espécie de livreto que explicava todo o conceito do álbum. Havia ali, detalhes de como ele imaginava a ordem das músicas e o porquê de cada uma delas entrar em determinada ordem.
Dado também retrata sua carreira solo. Conta um pouco sobre projetos paralelos que participou ao lado de Fausto Fawceti e fala sobre sua empreitada como produtor, à frente do selo Rockit e no último disco da Legião com Renato Russo ainda vivo, “A Tempestade ou o Livro dos Dias”.
Este ano, o álbum de estreia da Legião completa 30 anos e o guitarrista e o baterista Marcelo Bonfá estão amadurecendo a ideia de um show comemorativo. Poderá ser alguma coisa nos moldes do que aconteceu durante a edição de 2011 do Rock In Rio, quando vários artistas se revezaram no palco, cantando hits da banda. “Ainda não definimos nada”, explica. “Mas talvez seja algo mais centrado nessa nova geração do rock nacional”.