Marcelo Gross conciliando trabalho solo com a Cachorro Grande
Prestes a encerrar a “Gross Summer Tour 2015”, o guitarrista da Cachorro Grande, Marcelo Gross, abriu as portas de seu apartamento no centro de São Paulo para conversar sobre esse momento especial da carreira. De chinelo, calça vermelha e vestindo uma camiseta do The Who, Gross falou sobre a experiência de gravar o álbum solo, “Use o Assento Para Flutuar”, trabalho que ele mesmo produziu. Também teve espaço para falar sobre os shows de verão como power trio, e nos adiantou sobre o retorno aos palcos da Cachorro Grande, em março. Enquanto isso, na vitrola rolava um LP do The Ventures, para dar um contraste com a chuva que caía na cidade. Na agulha, também curtimos o seu primeiro trabalho solo em formato de vinil duplo. Durante o bate-papo, o músico ainda fez questão de mostrar em primeiro mão uma faixa em inglês que fez com a cantora Mallu Magalhães. Gross não deixou de analisar o cenário atual do rock e contou novidades da carreira solo e da Cachorro Grande. Confira a entrevista a seguir.
LIGADO À MÚSICA: Como foi a experiência de fazer esse trabalho solo e também como foi tocar sem o Cachorro Grande?
MARCELO GROSS: De certa forma foi libertador, velho, porque a gente está na estrada há 15 anos. Eu há muito tempo tenho essas canções que são mais pessoais, que não se encaixam na Cachorro porque eu escrevo em grande quantidade. Meu hobby dentro de casa é fazer música, ligar o gravador, computador, e compor uma canção. Também compor uma canção é motivo que eu tenho para mexer nos brinquedos, saca velho. Pra tu gravar alguma coisa, tem que ter uma música, então eu faço uma música só pra ficar mexendo ali e é legal, é bacana. Então eu tinha muita canção e fazia muito tempo que eu queria fazer. Era pra eu ter feito esse trabalho muitos anos atrás. Daí o Beto [vocalista do Cachorro Grande] falou “segura um pouco aí” porque a Cachorro ainda não tinha se estruturado direito ainda e poderia confundir a galera. Mas passaram 15 anos e eu achei que agora era o momento, porque eu também estava com muita vontade de fazer e também sair as vezes sozinho, porque também melhora o relacionamento entre a banda, de tu sair e fazer outras coisas. Então é uma coisa libertadora mesmo.
A gente ficou muito tempo preso, nós cinco ali, mas como eu tenho muita música fora do estilo da Cachorro, eu tinha vontade e também quando encontrei o Clayton [Martin], que é o baterista, ele falou “po, vamos fazer, vamos tocar”. Ele tem um estúdio na casa dele. Outro cara que deu bastante força também foi o João Marcelo Bôcoli, filho da Elis Regina, que é dono da Trama e é meu amigo. Eu mostrava as demos e ele falava: “oh bicho, a gente precisa gravar teu disco aí, a gente lança pela Trama. Se tu quiser, a gente bota o estúdio à disposição”. Então pintou essa junção de João Marcelo metendo pilha e o Clayton que é amigo meu e que eu conheço há muito tempo, e há muito tempo queria tocar com ele porque sou fã dele como pessoa e como baterista também. Ele tem a mesma vibe que eu, de gostar das mesmas coisas. Taí a oportunidade e o incentivo que eu precisava pra definitivamente começar o trabalho. Daí a gente fez, cara. A princípio era pra ser lançado pela Trama, nesse meio tempo a Trama fechou, fechou a Trama virtual e também como gravadora. Agora eles tem uma outra parada, que é editora, e eu acabei lançando pela Monstro. A gente acabou gravando no estúdio do Clayton, na Mooca, juntei a banda como um power trio.
LIGADO À MÚSICA: O Clayton era da banda Os Ostras, né?
GROSS: Isso, dos Ostras, Cidadão Instigado e Detetives também.
Então das primeiras vezes que eu vim pra São Paulo, do sul, eu era baterista do Júpiter Maçã, nós ficávamos lá na Mooca, na casa dele. Dormia no chão do estúdio lá, cara. Desde então a gente é amigo. E daí quando a gente estava preparando as músicas eu montei um trio com ele e o Fernando Papassoni, no baixo, que eu achei na [Rua] Augusta. Ele não estava fazendo nada. A gente ficou amigo e eu falei que estava precisando de um baixista e ele disse “eu toco baixo, já toco com o Clayton nos Detetives”. Então vamos embora, o cara estava na mão ali, disponível e a fim de fazer a parada. Isso é uma coisa muito importante, o cara está ali disponível e com bastante vontade. Isso foi bacana.
A gente estava fazendo as demos na casa do Clayton pra ver como estavam as músicas e pensei: “cara, está soando tão bem aqui, essas demos estamos gravando na tua casa, tocando com os amplificadores pequenos, quem sabe a gente não grava aqui e depois mixa na Trama?”. Daí a gente colocou em pratica essa ideia e gravamos o instrumental todo na casa do Clayton, tocando ao vivo, power trio, sem metrônomo, sem overdub, procurando o melhor take, fazendo umas quatro, cinco, via qual estava mais legal e ali fechava. Então levamos pra Trama e eu coloquei os vocais e botei a perfumaria, um violãozinho, o Pedro Pelotas, da Cachorro Grande, fez os teclados.
LIGADO À MÚSICA: A produção foi por vocês mesmo.
GROSS: É, a produção foi por mim e pelo Clayton, que assessorou a parte da casa dele microfonando e sendo o próprio engenheiro de som tudo ao mesmo tempo, mas foi um clima legal, um clima aconchegante, o qual a gente não tinha horário pra parar. Estava em casa, tomava uma cervejinha, fumava um cigarrinho. E daí viabilizou cara, demorou um tempo pra gravar. O instrumental a gente gravou no carnaval retrasado e depois quando o técnico que o João Marcelo colocou à disposição, o Luis Paulo Serafim, a gente foi gravando as vozes e finalizando, mixando e gravando essa perfumaria que é um tecladinho aqui, a gente colocou uns sopros também. Quando estava finalizado, o João Marcelo tentou conseguir uma parceria com a Trama e a Universal, estava quase rolando, mas acabou não rolando. Então entrei em contato com o pessoal da Monstro pra fazer, distribuir, dar uma força. E eles acabaram lançando. O vinil saiu pelo 180 Selo Fonográfico, que é um selo de um amigo meu de Passo Fundo, do Garras, que está lançando O Terno, já lançou o “Baixo Augusta”, da Cachorro Grande, e ele fez uma edição luxuosa de vinil duplo em 45 RPM e fabricado na República Checa. O sonho de todo colecionador de vinil, que é meu caso.
LIGADO À MÚSICA: Como foi conciliar a sua carreira solo com a banda?
GROSS: O normal da Cachorro Grande é ter shows todos os fins de semanas. Tem alguns que a gente não tem show e as vezes tem só na sexta e o sábado não tem. Então eu estou sempre atento na agenda da Cachorro pras brechas. E quando a gente resolveu ficar esses três meses de férias, eu pensei em marcar um turnêzinha, encontrar essa galera que queria ver o show antes e que não tive a oportunidade. A princípio eu fiz essa turnê pelo interior de São Paulo nos lugares mais pertos daqui, e sul de Minas também, tocando nos lugares menores. Tipo, a Cachorro Grande está acostumada a fazer shows em lugares maiores, eu toquei em lugares de rock n’ roll, onde está o gueto do rock.
A gente agora está vivendo uma fase muito estranha né, velho? Tipo, o rock n’ roll voltou a ser underground mesmo, e com a parada do sertanejo tomando conta aí. Eu não sou de ficar reclamando de estilo, se o rock n’ roll tivesse tomado conta e o sertanejo não, os caras não iriam ficar reclamando. Mas acontece que rola muito uma parada de grana pra monopolizar essa história que foi pela primeira vez no Brasil que a gente está vendo. Porque antigamente rolava o jabá onde rolavam vários estilos, agora está rolando uma parada de grana muito grande pra monopolizar e pra tocar só a panelinha deles e mais nada. Então isso é muito triste, a coisa financeira e meio política que está acontecendo nas rádios, o que acontece na mídia, que é o leilão da arte, saca? Então é muito triste isso, o rock ficou totalmente de fora da grande mídia. Claro que não vai desaparecer, as pessoas tem paixão pelo rock n’ roll, quem gosta vai atrás. Mas a gente vive em uma época sinistra agora.
Mas voltando, tem sido muito legal de tocar em lugares pequenos, tem essa coisa de se aproximar do meu público mesmo. Eu tenho visto nessa turnê que tenho feito, cada cidadezinha do interior de São Paulo, Minas, tudo tem as casinhas de rock n’ roll. Antigamente o que rolava é que as casas maiores variavam os estilos, botava ali o rock, o sertanejo, o pop, não sei o quê, agora o rock n’ roll parece que está sendo renegado, o rock n’ roll mais true, mais verdadeiro, a galera não está misturando mais. Esse é o monopólio do sertanejo. Mas não vamos ficar reclamando. Pra mim está sendo um tesão essa reaproximação com a galera.
LIGADO À MÚSICA: E você já está pensando em trabalhar em outro disco? Você disse que tinha muito material engavetado.
GROSS: É cara, eu tenho muito material e como te falei, escrevo em grande quantidade, então eu estou toda hora escrevendo música nova. Então eu já estou selecionando um material pra gravar o próximo disco e só estou esperando o Clayton ter a disponibilidade do estúdio dele pra gente começar o segundo disco.
LIGADO À MÚSICA: A turnê está chegando ao final agora, vai ter o último show nesta quinta-feira. O que o pessoal pode esperar por essa apresentação?
GROSS: A turnê que está chegando ao fim é a turnê de verão, porque vou continuar viajando e mostrando o repertório do disco. Agora vai vir a “Gross Winter Tour” (risos). Mas a gente vai continuar tocando, mostrando as canções do disco. Nesse show, vamos ter convidados especiais surpresas, são parceiros, amigos.
LIGADO À MÚSICA: Vamos falar um pouco de Cachorro Grande agora. Vocês lançaram recentemente o disco “Costa do Marfim”, e eu quase acreditei que foi gravado lá mesmo. (risos)
GROSS: Mas foi, uai. (risos)
LIGADO À MÚSICA: E aí, como está a recepção nesses últimos shows?
GROSS: Cara, eu sempre falo o seguinte, quando tu lança um disco, demora um tempinho até a galera assimilar, cantar as canções juntos, e realmente tu tocando ali e sacar que a galera está curtindo aquilo, como curtem as canções antigas. Aconteceu que no primeiro show que a gente fez em Porto Alegre tinha uma galera curtindo, cantando as músicas. Isso foi bem bacana, saca? E depois a gente fez o lançamento aqui em São Paulo.
A gente tirou esse período de férias porque no verão para tudo no Brasil mesmo pra retomar agora em março. Então, eu acredito que nessa retomada, a gente vai ter uma resposta maior do público com o repertório novo, que deu tempo da galera ter curtido, ter assimilado. E por exemplo, no meu disco que lancei há um ano já, agora nesses shows da “Summer Tour”, que a galera está indo nos shows pra ver o repertório do disco, pedindo música e cantando junto, sabe? Demora um tempinho, tarda mas não falha. Então esse momento é muito bom, muito bacana, da galera pedindo as músicas novas e não as antigas. No meu caso, na carreira solo, não tenho músicas antigas. Eu até falo no meu show: “galera vou tocar as músicas do meu disco porque são as únicas que eu tenho e é o disco que nós temos”. E daí, uma hora ou outra a galera pede uma aqui ou outra da Cachorro, as vezes eu atendo. Mas voltando ao Cachorro Grande, a partir de março a gente retoma o lançamento do disco porque faltou ainda a gente visitar algumas capitais. A gente tem que tocar no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Curitiba, então a gente vai dar ênfase pra mostrar esse repertório novo e principalmente o show novo que a gente está fazendo com telão, tocando em cima de bases eletrônicas programadas, no clima Chemical Brothers, mostrar esse novo show pra galera.
LIGADO À MÚSICA: E tem algum single já na agulha?
GROSS: A gente vai lançar um videoclipe agora da música “O que Vai Ser”, que é uma música no clima verão.
LIGADO À MÚSICA: Falei pro Beto que achei essa música bem legal, é a minha preferida do disco.
GROSS: É a minha preferida da carreira do Cachorro Grande. Gosto muito dela. Passei o ano novo com um amigo meu italiano e uma amiga russa. Ela é modelo lá, é DJ também. Eles quiseram o disco pra tocar lá nas festas porque adoraram.
LIGADO À MÚSICA: Tem um clima bom.
GROSS: Ela falou que tem o mesmo padrão das bandas gringas. Eu modéstia à parte fiquei muito orgulhoso com o resultado do “Costa do Marfim”, a gente conseguiu fazer uma coisa que a gente flertava há muito tempo, aquele som mais moderno que tem a ver com bandas como Chemical Brothers, Daft Punk, MGMT. Quanto essa produção do Edu K nos ajudou a fazer um pouco além do que a gente pensava. Botou a parada mais pra frente, saca? Tudo o que a gente sabia fazer era aquela cachaça do rock n’ roll, tipo “Let it Be”, dos Beatles. Os caras pegam os instrumentos e tocam, agora vai fazer um Chemical Brothers? É cheio dos Mandrakes ali que o cara tem a concepção de fazer a musica, como gravar, como tirar toda aquela textura doida, foi preciso um cara como o Edu K pra vim e botar a gente fora dos trilhos. (risos)
LIGADO À MÚSICA: Tem muito improviso, teve muita liberdade ali, né?
GROSS: Teve cara, a maioria das coisas a gente meio que fez aqui do apê, nos gravadores. A gente fez algumas canções longas e era para o Edu K cortar e usar as partes maiores, mas acabou deixando maior ainda fazendo a gente pirar mais e incentivando esse lance de fazer a coisa diferente, incomum e mais maluca mesmo. Juntou a doidera com o hospício ali. Foi jogar o relógio pra cima na garupa do Peter Fonda, do “Sem Destino”. (risos)
LIGADO À MÚSICA: Quer aproveitar a convidar a galera do Ligado à Música para o show?
GROSS: É Isso aí, quero convidar a galera pra assistir ao show do Gross na quinta-feira, 26, a partir das 20h, no Centro Cultural Vergueiro. A gente vai estar lá mostrando as músicas do meu primeiro disco “Use o Assento Para Flutuar” no encerramento dessa turnê de verão. A turnê de inverso vai ter algumas outras coisas, nessa turnê vou fazer um set acústico mostrando algumas canções novas, vou tocar algumas canções que escrevi pra Cachorro Grande se me pedir (risos), e é isso.