Banguela Records ganha documentário sobre o rock nacional de 1994

Muito se fala da década de 1980. Mesmo quem nem era nascido na época, já está cansado de saber, por exemplo, que foi aquela geração a responsável por criar um rock brasileiro de verdade, com identidade própria e bandas cultuadas até hoje. Livros, documentários e filmes fornecem material de sobra para quem quer entender os primórdios do BRock.

Mas e depois desse boom que fez a alegria da indústria fonográfica, o que aconteceu com a produção roqueira nacional? O momento econômico no país era complicado. As mudanças no mercado de discos foram muitas e o rock acabou perdendo prestígio com os executivos das chamadas majors, em detrimento de movimentos como a axé music ou o sertanejo, sendo, desta forma, relegado aos selos independentes e gravadoras de pequeno porte. Depois disso, muitos acreditam, nunca mais existiu uma geração como a de Legião Urbana e companhia.

Isso não é exatamente verdade. O mercado era outro, o país, governado por Fernando Collor, também. Mas a produção do rock brasileiro no início da década seguinte foi de suma importância para a solidificação do gênero com raízes realmente nacionais. E é para contar um pouco dessa história que será lançado em 4 de julho, o documentário “Sem Dentes: Banguela Records e a turma de 94”, dirigido pelo jornalista Ricardo Alexandre. O lançamento acontece durante o festival In-Edit – 7 Festival internacional do Documentário Musical, em São Paulo (veja a programação abaixo).

“O Banguela foi o selo mais sonhado e, por isso mesmo, com mais histórias para contar”, lembra o diretor, autor do livro “Cheguei Bem a tempo de Ver o Palco desabar”, sobre o mesmo período. “Foi um selo que veio de fora para dentro, uma ideia que partiu de uma banda (os Titãs) e que contou com o aval do (Carlos Eduardo) Miranda, um produtor super respeitado no mercado fonográfico na época”.

Quem não está ligando o nome às bandas, o Banguela foi responsável, por exemplo, pelo lançamento dos Raimundos, seu maior sucesso. Mundo Livre S/A, importante nome do movimento manguebeat e Little Quail And The Mad Birds, do atual Autoramas, Gabriel Thomaz, também são alguns dos destaques do selo.

“Eu gosto de pegar um corte específico. É muito mais interessante pegar um fato e a partir dele, contar uma história maior. Seria difícil contar a história do rock no Brasil produzido nos anos 90. Mas a partir deste documentário, é o que acabamos fazendo”, conta Alexandre.

O tom não é de nostalgia ou saudosismo. “Estamos muito satisfeitos que todo o filme aponte para o presente e para o futuro, para o que está sendo feito de bom hoje, e use as lições da turma de 1994 como um incentivo para quem quiser revolucionar tudo de novo”, diz Ricardo Alexandre.

A ideia partiu do também jornalista Alexandre Petillo, que assinou o roteiro ao lado do diretor e também participou da produção. “Cresci nos anos 90 e me dei conta de que não sabia de um monte de coisas relacionadas à história musical desse período”, lembra o roteirista que se entusiasmou com o tema após a leitura de “Cheguei bem A tempo De ver O Palco Desabar” e de conversas com Miranda. “Bandas como Skank, O Rappa, que estão aí até hoje, ninguém parece lembrar ou identifica que fazem parte desta mesma geração”.

E para ajudar a contar e relembrar tantas histórias, o documentário traz depoimentos de músicos, jornalistas e produtores que, de alguma forma, ajudaram a construí-la. Os ex-Titãs Nando Reis e Charles Gavin, Fernanda Takai, vocalista do Pato Fú, Samuel Rosa, do Skank, o ex-MTV, Gastão Moreira, André Forastieri e Carlos Eduardo Miranda são alguns desses nomes.

A importância da MTV para as bandas daquela época – quando ainda não se podia contar com a internet e as redes sociais – é discutida com Gastão, atualmente apresentador do programa “Kazagastão” no Youtube e “Gasômetro”, na rádio Kiss FM. Não falta também uma boa “lavação de roupa suja”, visto que os ex-Titãs estiveram diretamente envolvidos na criação do Banguela.

O editor de imagem, André Pires, lembra que um dos depoimentos mais bacanas foi do produtor Carlos Eduardo Miranda. “Ele falou sobre a originalidade da geração dos ano 90 e comparando com o rock dos 80, que trazia cópias da gringa. É um depoimento que pode até chocar e causar controvérsia, ainda mais porque cita Renato Russo, que foi líder de uma das maiores bandas que o Brasil já teve. Pode parecer arrogante e apelativo, mas era o retrato fiel da época, onde todos, até o Miranda, queriam imitar bandas gringas, porque era o que eles sabiam fazer. Éramos carentes de originalidade, de brasilidade. Veja aí, com aspas”.

São aproximadamente duas horas de histórias e imagens memoráveis. “Na verdade no primeiro corte ficamos com mais de 4h de material editado, isso apenas das entrevistas, sem imagens de cobertura”, conta o editor de imagens, André Pires. “De arquivo bruto temos mais de 30h de entrevistas, fora os matérias de arquivo. Tem muita coisa, muita história boa”.

“Dos documentários que já fiz, este é o que tem o maior número de depoimentos. Em um primeiro momento, há uma contextualização histórica. Falamos da era Collor e do que estava acontecendo no mercado nacional. Havia um crescimento do mercado independente, não apenas na música, mas no mercado editorial e cinematográfico também. Falamos sobre a construção do selo, Raimundos, Mundo Livre S/A. Depois, de como a saída dos Raimundos desestabilizou o selo”, adianta o diretor.

Segundo Ricardo Alexandre, os anos 90 foram o melhor período do rock brasileiro. Estruturalmente e tecnologicamente falando, foi uma época muito superior ao que foi produzido nos anos 80. “Não estou discutindo a questão do conteúdo. Estou me referindo ao profissionalismo”, explica ele que não pretende comparar o momento político que foi tão “inspirador” para os compositores na década anterior, com os temas abordados pela geração seguinte.

O jornalista lembra que, na década anterior, não se tinha acesso a instrumentos importados, por exemplo. Tudo era feito de maneira praticamente amadora, por falta de oportunidade. “O contexto histórico era outro. Não quero minimizar os anos 80, em detrimento dos 90. Mas foi realmente a primeira vez que o rock produzido no Brasil ganhou sua própria cara. Não queríamos mais repetir as bandas internacionais. Foi a primeira vez que o rock nacional se tornou competitivo em relação às bandas internacionais”, analisa.

O diretor diz, ainda, que aquele foi um momento de muita originalidade. Na década anterior, tudo ainda era muito derivativo e tecnicamente ruim. “Os anos 90 são a matriz para quem quer produzir Rock no Brasil. Foi um momento único e que ainda não se repetiu”.

Alexandre Petillo enfatiza que, apesar disso, as gravadoras nunca entenderam ou trataram as bandas dos anos 90 da mesma maneira que suas antecessoras. “Depois do sucesso dos Mamonas Assassinas, eles queriam alguma coisa que fosse igual”, lembra. Segundo o produtor, os Mamonas foram um caso isolado. Cada artista tinha sua própria identidade. “O Pato Fú foi ao programa do Faustão e eles achavam que a apresentação tinha que ser algo que tivesse a ver com humor também. Não era a onda do grupo e eles se recusaram a fazer”.

Mas apesar de tamanha importância para o rock nacional, a geração nascida nos anos 90 e, mais especificamente, o Banguela Records tiveram vida curta. “Minha teoria tem a ver com o agigantamento do mercado fonográfico. Essa eterna corrida pelo dinheiro foi responsável por acabar com tudo logo depois. Daí em diante, pode-se dizer que foi o fim do mercado fonográfico que na verdade, nunca mais se recuperou”, diz Ricardo Alexandre.

Segundo o diretor, a importância história deste período não costuma ser reconhecida porque não houve um boom no mercado, como nos anos 80, e não podemos falar em recordes de vendagem. “Infelizmente, ainda é assim que se medem as coisas por aqui. No entanto, foi um momento com 100% rock e 100% brasileiro, e que nunca mais se repetiu. Também não estou querendo discutir a qualidade do que se produz hoje”.

O documentário “Sem dentes: Banguela Records e a Turma de 94” estreia no próximo dia 4 de julho como parte da programação do festival In-Edit – 7º Festival Internacional do Documentário Musical. Logo após a sessão, programada para 16h45 no Cine Olido, em São Paulo, a banda Autoramas apresenta um show especial. Haverá mais duas exibições do filme no festival: em 05/07 (às 17h30, na Cinemateca Brasileira) e em 10/07 (às 20h, no Centro Cultural São Paulo). Em seguida, “Sem dentes” será exibido em sessões especiais com a presença de seus realizadores nos dias 11 de julho (no SESC São José dos Campos), 18 de julho (SESC Jundiaí), 22 de julho (no SESC Presidente Prudente), 27 de julho (na sala Mínima, em Porto Alegre) e 05 de agosto (no pub CCCP, em Belo Horizonte). Outras exibições especiais serão anunciadas em breve.